No Rastro dos Emigrantes do Hunsrück no Brasil

 

 

 

 

 

 

Confirmar a origem dos atuais habitantes de raça germânica de Santa Maria do Mundo Novo tornou-se uma tarefa virtualmente fácil nos tempos atuais. Bastaria, para tanto, uma simples investigação no código genético, comparando-o com o de nossos parentes do Hunsrück.

Fato incontestável, porém, é a continuação dos costumes na vida cotidiana dos habitantes de Santa Maria do Mundo Novo (atual Vale do Paranhana), bem como do uso da língua alemã ainda por muitos falada aqui no dialeto Hunsrück. Esse fato comoveu um grupo de viajantes, composto por membros e clientes do Volksbank Hunsrück eG, capitaneados pelo Diretor Otto Mayer, residente em Simmern, que estiveram em visita à região no dia 16 de fevereiro de 2003. Estavam eles dando continuidade às pesquisas de seu projeto denominado “Auf den Spuren der Hunsrücker Auswanderer in Brasilien” (No Rastro dos Emigrantes do Hunsrück no Brasil), ao qual dão continuidade periodicamente, tentando localizar pontos do planeta para onde teriam emigrado seus ascendentes ou seus parentes e amigos. Dessa vez tinham o endereço do Brasil e aqui, no vale do Paranhana, para nosso orgulho, encontraram os rastros mais fortes.

Na ocasião, ficaram surpresos com a riqueza do material por nós coletado e impresso semanalmente no Jornal RS-115, do qual receberam uma cópia encadernada depois de terem assistido a uma palestra proferida por mim, no dialeto Hunsrück. A palestra foi realizada após o emocionante culto dominical celebrado, no vernáculo de Goethe, pelo Pastor Arnildo Adair Schmidt, da Igreja Evangélica Luterana. Sua esposa, Cornélia Schmidt, juntamente com outros membros da comunidade, também apresentou belas canções em alemão, ensaiadas para a ocasião.

Surgiu daí a inevitável pergunta dos visitantes: Por que este material não foi ainda convertido em livro? Simplesmente pela falta de recursos financeiros, respondemos. Os participantes membros do Conselho Fiscal do Volksbank Hunsrück eG, Waldemar Bauermann e Kurt Maurer, prometeram espontaneamente ao Senhor Mayer, apoiá-lo na busca de patrocinadores para cobrir parcialmente os custos da produção dos três livros. O apoio estava ligado a uma condição: o primeiro exemplar dessa trilogia seria apresentado ao público na região do Hunsrück, dentro do quadro das programações dos festejos dos 1250 anos da comunidade de Biebern, em março de 2004.

O segundo e terceiro volumes serão lançados em final de junho e final de setembro, respectivamente. Também poderiam ser patrocinadores desses livros o Volksbank - Raiffeisenbank Idar- Oberstein eG, a Verein der Brasilienfreunde in Simmern, bem como o Bedachungsgeschäft Grünnewig de Biebern - todos do Hunsrück. A esses nossos esforços uniu-se, mais tarde, o Senhor Ernani Reuter e a faculdade de ensino regional, FACCAT, Faculdades de Taquara, através da conscientização da necessidade de apoio ao projeto, pelo diretor Delmar Henrique Backes e demais conselheiros que contribuíram com a cessão de uma aluna bolsista do curso de Publicidade e Propaganda, Miriam Malta Martins, para trabalhar junto com o autor, em tempo integral neste projeto, concomitantemente comprometeram-se com todo o processo de revisão dos textos em português. Além disso, contamos com a colaboração de uma equipe de doze tradutores e com a fundamental participação do coordenador de revisões dos textos em alemão, Pastor Helmut Burger.

Tempos de Colonização do Hunsrück – Tempos de Guerra

Bem mais difícil se torna explicar a semelhança geográfica que aqui encontraram, com a pátria-mãe, principalmente no que tange à situação da bacia hidrográfica, pois o Hunsrück, situado no centro da Europa, tem como limites: a leste o belíssimo Rio Reno, a oeste o Rio Saar, afluente do Mosela, o qual estabelece o limite norte, tendo, no lado oposto, ao sul, como divisa referencial o Rio Nahe. Há um verso bonito que diz: Mosel, Nahe, Saar e Rhein circundam, cercam o Hunsrück.


Igreja Medieval em Niederbrombach, extraída do livro Landkreis Birkenfeld, editado no ano de 1971.

Tudo não passa, evidentemente, de mera semelhança hidrográfica, pois o Vale do Rio Santa Maria, para onde vieram os imigrantes, também tinha, na época da colonização, seus limites quase todos identificados pelos rios da região, como podemos observar em documentos da época.

A Colônia do Mundo Novo está situada na margem direita do Rio dos Sinos, onde faz frente ao sul, tendo ao norte a Serra Geral, a oeste o Rio Santa Maria (hoje, Rio Paranhana) e ao leste o Arroio Tucanos e o Rio da Ilha. Os três últimos são formadores do Rio dos Sinos, através do qual os colonizadores faziam o transporte de suas famílias e da produção aos centros maiores, como São Leopoldo ou a capital, Porto Alegre.


Igreja Gabriel (Gabriel’s Kirche), no município de Igrejinha - RS, construída no ano de 1885. A torre com o sino, foi construída em 1900. Foto: Erni Guilherme Engelmann.

Os primeiros registros históricos da região do Hunsrück datam de séculos atrás. Como exemplo, podemos citar a fundação da histórica cidade de Trier, no ano de 16 a. C., pelo imperador romano Augustus, sendo por isso conhecida, duranteséculos, como Augusta Treverórum. Foi a primeira cidade fundada em território germânico e hospedou, durante séculos, as famílias dos imperadores romanos. Já no ano de 263, era a capital de toda a Gália. A história da região do Hunsrück, remetenos, portanto, a mais de vinte séculos. Nos anos de 306 a 316, Trier foi sede da residência oficial do imperador romano Constantino, sendo ainda possível encontrar, nos dias de hoje, vestígios da presença romana através das inúmeras estações de águas termais, autênticas relíquias históricas.

Sangrentas batalhas travadas entre os anos 407 e 440 culminaram com o saque total da já antiga cidade de Trier. Conseqüentemente, no de 451, os mesmos atacantes, entre eles os visigodos e Chatten (francos do leste , borgonhoses e alemânicos), lutando por toda a região da Catalúnia, fizeram com que ocorresse a queda definitiva de todas as províncias romanas. Esses povos fixaram-se definitivamente nas terras entre os rios Ruwe, Saar e Mosela, estendendo, a seguir, seu domínio por toda a atual região do Hunsrück. Alguns anos mais tarde, já no ano de 500, sob o domínio do imperador dos francos Clodovico, a região foi dividida politicamente, sendo criadas diversas “províncias”, nas quais prevaleciam as antigas fronteiras econômicas traçadas pelos romanos.

No ano de 600 da era cristã, portanto cem anos depois de Chlodwig, já havia denominações para praticamente todos os rios, vales ou montanhas, mas ficou a marca dos romanos através do latim, ou seja: Crombul ou Cromel transformou-se (pag. 27) em Kronweiler, Crucianiacum transformou-se em Bad Kreuznach, Nava virou Nahe, Vingum converteu-se em Bingen e a antiga Augusta Treverórum transformou-se na histórica cidade de Trier.

Entre Trier e Mainz havia uma fronteira imaginária, entre a antiga Germânia Superior (Obergermanien) e a Gália Bélgica. Sob a influência papal, muitas dinastias foram se criando, como os Sponheim, cujo líder maior, por volta do ano de 1020, residia num castelo que ficava a cerca de 10 quilômetros de Bad-Kreuznach. Dali ele dominava todas as terras situadas no vale do Rio Nahe.

As primeiras informações sobre o povoado de Birkenfeld remontam ao ano de 981, todavia se sabe que, já em 700, havia uma igreja no local. Um dos períodos mais marcantes para Birkenfeld foi a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), quando regia Georg Wilhelm von Birkenfeld (1616- 1669). Apesar do violento conflito que houve em toda a região, seu castelo jamais foi atacado. 


Primeira e última páginas do jornal Neue Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, edição de 29 de Julho de 1926. Este jornal foi encontrado dentro de uma caixa de zinco, colocada dentro da parede da antiga escola, ao lado da casa paroquial de Igrejinha.

Grupos revolucionários franceses invadiram a região no ano de 1794. Após a batalha de Lunéville, um general de Napoleão Bonaparte, tomou todas as terras à esquerda do Rio Reno para a França, o que fez com que a região passasse a chamar-se “Canton Birkenfeld au Arrodissement de la Sarre”, tendo Trier por capital.

Quando Napoleão começou sua invasão em direção a Moscou, do seu exército de 500.000 homens cerca de 400.000 eram alemães da Liga dos Estados da Renânia (justamente onde fica o Hunsrück), da Espanha, Polônia, Itália e Áustria. Somente 100.000 eram realmente franceses. Da região da Renânia (atual Hunsrück) partiram 26.000 soldados, dos quais somente 6.000 voltaram para casa depois do desastre, quando os russos incendiaram Moscou, recuando com suas tropas e deixando Napoleão, ao relento e sem comida, no gelado inverno soviético. Do total apenas 30.000 soldados retornaram, esfarrapados e esfomeados, pela fronteira da Alemanha. Somente após a assinatura do Tratado de Paris, em 30 de maio de 1814, os franceses se  retiraram definitivamente.

Apenas após a tomada da região pelo Duque Peter Friedrich Ludwig von Oldenburg, em 16 de abril de 1817, a região passou a denominar- se Grão Ducado de Oldenburg – Principado de Birkenfeld, permanecendo com esse pomposo nome até 1937. Atualmente, Birkenfeld é a cidadesede da comunidade toda (“Kreisstadt”), onde se concentra a administração pública da região.

De certo modo até inexplicável é a situação de Kronweiler, que jamais presenciou qualquer batalha em seu pequeno território, nem na época dos romanos, tampouco durante os conflitos religiosos que culminaram com a Reforma, promovida por Martin Luther no começo do século XVI, nem na Guerra dos Trinta Anos e muito menos durante a invasão dos franceses, embora sempre fosse um corredor de passagem em direção a Niederbrombach. E assim a história se repetiu durante o recuo das tropas de Napoleão Bonaparte, quando retornou da malfadada invasão da Rússia em 1813. E novamente nada aconteceu quando do recuo das tropas do III Reich Alemão, em 1945.

A Prússia

Após a pacificação e cristianização, no século XIII, das tribos “borussas” pelos cavaleiros teutônicos, elas vieram a constituir o maior e mais forte estado alemão, a Prússia. Em 1785, Frederico Guilherme II (1744-1797), rei desde 1786, organizou, a partir do ano de 1785, a Liga dos Príncipes Alemães, da qual participavam o de Hannover, da Saxônia e outros menores.

Frederico Guilherme III (1770-1840), rei a partir de 1797, prometera uma constituição e a libertação dos camponeses. Apesar da tendência de atritos com a classe dominante, pressionado por seu ministro de finanças, Heinrich Friedrich Karl von und zum Stein, concordou em editar um programa de reformas, denominado Edital de Outubro de 1807, que deu um fim à estrutura feudal da Prússia, podendo qualquer cidadão negociar terras livremente.

Havia ainda o impedimento religioso de poderem pensar numa “grande” Alemanha, pois a Áustria, que estava nos planos em discussão, era quase totalmente católica, o que fez com que esse assunto permanecesse na pauta, estendendose até após o ano de 1846.

Em 1840, assume Frederico Guilherme IV (1795–1861) o reinado da Prússia, trazendo à tona novamente as idéias de liberalismo e união nacional, ambas tão difundidas nas revoluções iniciadas em Paris em julho de 1830 e fevereiro de 1848. Clara estava a inquietante insatisfação da aristocracia e do exército, os quais não eram simpáticos a essas idéias, porém, gradativamente, o proletariado ia conquistando melhores posições (pag 29) na escala social, e percebia-se que o território futuro da Alemanha ia tomando forma cada vez mais definida.

No Hunsrück, havia a ameaça constante da França tentando reconquistar a antiga fronteira oriental até o Reno, fazendo com que os pobres camponeses aí residentes, que eram 2/3 da população, permanecessem apreensivos. Sua agricultura produzia cada vez menos, pois ainda estava baseada em métodos rudimentares, associados à baixíssima produção de uma terra exaurida e à doença da podridão das batatas.

Aumentava, assim, a população de camponeses pobres, pois as famílias iam dividindo as terras entre os filhos, os quais, conseqüentemente, iam ficando com lotes cada vez menores e mais improdutivos. Além disso, estavam à margem de qualquer discussão política que envolvesse assuntos nacionais.

Não é muito difícil entender, a partir desse quadro social vigente, aliado à forte propaganda que o Major Georg Anton von Schäffer fazia a mando do Governo Brasileiro, o porquê da grande expectativa de sucesso de uma vida nova em terra distante e da certeza de dias melhores para eles e seus descendentes, que, afinal, somos nós, porém novamente forjando, a cada dia das viagens até a terra prometida, no malho duro e frio da esperança e nas noites mal dormidas com prenúncios de guerras na nova pátria, nas quais, na maioria das vezes, não saberiam de que lado lutar.

O Congresso de Viena, em 1815, ratificara a monarquia da Alemanha, determinando que ela se compusesse de um Império, cinco Reinados, sete Grão Ducados, oito Ducados, dez Principados e quatro Cidades Livres e independentes. A unificação aconteceu somente a partir de 1871, quando a Alemanha passou a ter um governo central.

Tempos de Emigração

Cerca de 300 anos antes dos imigrantes do Hunsrück, mais precisamente no ano de 1532, durante a povoação de São Vicente, vieram para o Brasil alemães, italianos, homens que estiveram nas Índias e franceses. Portanto, no primeiro povoado agrícola já havia alemães que fizeram lavouras e defenderam a colônia dos inimigos.

Naqueles tempos, foi iniciado o cultivo da cana-de-açúcar no Brasil, com mudas da Ilha da Madeira. Para a refinação do açúcar, foi construído, em São Vicente, pelo técnico alemão Johann von Hülsen, natural de Hüls, perto de Krefeld, o primeiro engenho de açúcar movido à água. Esse engenho é comprovadamente o primeiro no Brasil. Foi construído e explorado por Hülsen juntamente com outros quatro empresários.


Marco representativo do local onde desembarcaram os imigrantes alemães em São Leopoldo.

Não é possível narrar “A Saga dos Alemães” sem descrever a tristeza, após terem resolvido emigrar, de verem todos seus móveis, animais e pertences sendo leiloados em praça pública, pois esse era um costume e até uma necessidade de quem tomava a difícil decisão de partir.


Monumento homenageando a imigração alemã em São Leopoldo.

Alguns embarcavam no importante porto de Amsterdam, outros, talvez a maioria, tomavam o rumo de embarque na livre cidade hanseática de Hamburgo, sendo que todo o trajeto até o Rio de Janeiro durava cerca de cem dias. Apenas para termos uma idéia, sem nos aprofundarmos muito, vamos reviver a viagem da importante família Haag, registrada no livro A Decisão, de autoria de Ernani Haag, em que ele descreve, com detalhes, o trajeto percorrido por seus ascendentes desde o “Birkenfelderland” até o porto de Hamburgo.

“A família Haag residia, ainda no ano de 1846, no pequeno distrito de Kronweiler, portanto os passaportes seriam assinados pelo Governador de Birkenfeld, Laurenz Hannibal Fischer (1784–1868), que fora nomeado em 1831 pelo Grão Duque de Oldenburg, Paul Friedrich Au- (pag. 31) gust von Oldenburg, que reinou de 1829 a 1853.

Depois de tudo pronto, no domingo, dia 3 de maio, todos estavam ansiosos para partir. Cada passageiro teria direito a um baú ou uma barrica de 60 quilos, com exceção das crianças. Depois que os restos dos móveis haviam sido doados a familiares, o patriarca Franz Peter Haag solicitou ao seu vizinho, Sr. Kulmann, que levasse a família até Boppard, no Reno, onde embarcaria num navio até Colônia. O transporte por terra foi feito numa velha carreta, que não havia sido leiloada e que passaria a pertencer ao Sr. Kulmann como pagamento pelos serviços prestados.

Na partida, de manhã cedo, abraços, beijos e choro de velhos e crianças, que não se conformavam com a idéia de que, provavelmente, nunca mais veriam aqueles entes queridos. Seguiu, porém, a família Haag com seu propósito, também com lágrimas nos olhos, passando por Niederbrombach, no sentido de Idar-Oberstein. Enquanto isso, o comentário girava em torno do dinheiro arrecadado com o leilão público dos bens da família, que apurou a soma de 1.000 guldens, mas, como ainda tinham dívidas, partiram para o Brasil com a soma de somente 650 guldens. Enquanto comentavam os preços das passagens que, de acordo com o Sr. Haag, custaram 75 guldens por pessoa, iam deixando Idar-Oberstein para trás. Souberam também que havia mais três famílias a caminho de Boppard. Enquanto isso, o anoitecer já se aproximava e eles sabiam que logo chegariam a Simmern.

No dia seguinte, deixaram Simmern para trás, seguindo em direção leste entre matas e plantações e, ao entardecer, já podiam ver o Rio Reno. No fundo do vale, podiam identificar do alto o povoado de Boppard, bem como o ponto de embarque, que ficava próximo às duas torres de uma igreja facilmente identificáveis. Permaneceram uma noite em Boppard e, no dia seguinte, de manhã bem cedo, já puderam ouvir o apito do vapor que se aproximava do atracadouro. Não demorou muito e estavam navegando a favor da correnteza no silencioso e belíssimo Rio Reno e, ainda na metade da tarde do mesmo dia, chegaram à Colônia.


Réplica do Navio “Neptunus”, que trouxe a família Haag para o Brasil. Imagem cedida por Ernani Haag.